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Nuestras culturas originarias guardan una gran sabiduría. Ellos saben del vivir en armonía con la naturaleza y han aprendido a conocer sus secretos y utilizarlos en beneficio de todos. Algunos los ven como si fueran pasado sin comprender que sin ellos es imposible el futuro.

domingo, 10 de diciembre de 2017

“Não se paga com milhões a morte de um rio”


A antropóloga Lux Vidal, professora emérita da USP e pioneira nos estudos sobre os Xikrin, diz que a atual contaminação do rio Cateté é a crise mais grave enfrentada pelo povo, que é cercado pela mineração da Vale

Quem são os Xikrin?
O povo Xikrin é um povo Caiapó. Todos os Caiapó se autodenominam Mebêngôkre. Então, são Mebêngôkre os Xikrin. Eles são um dos diferentes povos [Caiapó], que são muitos. Os Xikrin são os que estão entre os rios Xingu e Itacaiúnas. Os outros, que estão do outro lado do Xingu, são os Gorotire, os Mekrãnoti, os Kuben-Krân-Krên, os Metyktire, os Kararaô, também grupos Caiapó, e os Xikrin do Bacajá, que estão perto de Altamira e agora estão sendo atingidos por Belo Monte; eu me ocupei também da demarcação de terras deles. Especialmente porque, quando os Xikrin de Cateté começaram a entrar em negociação com a Vale do Rio Doce e a receber um certo dinheiro, os do Bacajá queriam vir também para Cateté, o que teria sido um desastre, né? Então, foi importante a demarcação do Bacajá também. Os Xikrin de Cateté, eu segui todo processo de recuperação deles depois dos gateiros e madeireiros. A volta dos jovens que estavam espalhados na região, que fizeram a aldeia circular, a aldeia redonda, retomaram os seus rituais, as pinturas corporais. [Desde que eles voltaram para a terra deles], o grupo foi se recuperando, tanto que hoje são quatro aldeias. Desse ponto de vista, se recuperaram.

E a senhora acompanhou esse processo de recuperação?
Sim, de demarcação das terras e da luta contra as madeireiras. Eles sofreram muito com isso aí. E também segui as primeiras relações com a Vale do Rio Doce.

Como foi?
Foi um pouco difícil, mas foi pacífico, né? [A Vale] não estava dentro da área, mas, como estava colada, houve umas compensações para eles. Mas ainda não havia o níquel, [depois] a questão se agravou. E naquela primeira época a Vale ainda era uma estatal; então, em um certo sentido, ainda dava para conversar. Mas, enfim, a gente trabalhou muito, e a gente nunca pensou que chegaria ao ponto em que chegou agora, né? Porque, de repente, o Cateté já era. O fato é que fizeram análises e realmente o rio está poluído. É que o Cateté não é um rio grande, está comprometido, as cabeceiras, tudo. Já naquela época [quando trabalhava com os Xikrin], geólogos, especialmente geólogos canadenses que eu conheci, me falaram: “Olha, Lux, essa área aí a oeste é uma área pensada para níquel. Níquel é a pior das coisas que pode acontecer. É o minério mais poluente, o mais letal que pode existir. Não se pode entrar em contato de jeito nenhum com os dejetos do minério de níquel”. O que eu penso é que os índios nunca se deram conta a que ponto isso poderia ser grave. E pode ser que eles aceitaram alguma compensação da Vale, como foi para o resto. Mas nunca isso poderia ter acontecido. Não se pode deixar à compreensão de pessoas ou de um povo a decisão sobre coisas tão graves. Eles nunca deveriam ter colocado essa mineração aí tão perto, a gente não tem realmente o controle sobre o que pode acontecer. Porque as mineradoras lá vão dizer que está tudo bem, mas nós já vimos no rio Doce o que aconteceu. E pode acontecer a mesma coisa em Xikrin.

E eles têm essa relação de subsistência com o rio e também em uma dimensão simbólica, não é?
A subsistência deles realmente é caça e batata-doce. E também palmito, os frutos assim do mato, coletam castanha para vender. Antigamente eles ocupavam o território deles em diferentes momentos do ano em busca das matérias-primas de que eles precisavam. Eles iam para o norte quando chovia, coletavam castanhas a oeste, e durante o verão passavam dois, três meses no rio Seco, no sul, e faziam caça de pássaros para as penas, o que hoje é proibido, para o artesanato deles. Eles são um povo que faz uma plumária lindíssima, muito bonita. Toda a mitologia deles é muito rica, os rituais deles também são lindos. Os nomes das pessoas sempre se referem a peixes ou a outros elementos da natureza. E a pintura corporal era uma coisa importantíssima e também relacionada aos peixes. Ela teria sido dada pelos invisíveis, pelos sobrenaturais.

E as pinturas corporais fazem referência aos peixes?
O desenho básico mesmo dos Xikrin são espinhas de peixe. Isso você tem em muitos povos indígenas, né? Realmente os peixes são muito aproveitados tanto na mitologia quanto na ornamentação, como em outras narrativas também, no contato dos humanos com os animais. Porque esses seres da natureza são vistos como gente também no mundo deles. Então, a relação era muito próxima, especialmente durante os rituais. Então, nesse sentido o rio já é importante, a água já é muito importante. Mas os peixes têm realmente uma posição absolutamente central na vida, na subsistência e nas crenças e rituais da mitologia. Tudo isso está muito articulado entre si.
 
“O desenho básico mesmo dos Xikrin são espinhas de peixe”. (José Cícero da Silva/Agência Pública)
Existe essa ação jurídica para ter uma compensação financeira por conta dos problemas de subsistência, de falta de alimento, de ter uma alternativa de sustentabilidade…
Sim, mas não pode ter alternativa. É essa a minha a posição, entendeu? Não pode é envenenar o rio, porque você envenena as pessoas. Você não paga com milhões a morte de um rio, não dá. Isso tem que parar.

A senhora acha que este momento que eles estão vivendo é crucial? Porque não é o primeiro desafio que eles enfrentam.
Ah, sim, não é o primeiro, mas é o mais grave. Porque, se o rio está envenenado, o que eles vão fazer? Esse rio atravessa [as aldeias], eles tomam banho, eles bebem daquela água, eles pescam naquela água, as crianças brincam lá dentro. Não tem adaptação a uma coisa dessa. Não tem.

Pode ter água encanada, cesta básica…
Cesta básica, pelo amor de Deus, é o pior que pode acontecer! A cesta básica tem uma alimentação que não é feita para os índios. O bom para eles é a agricultura deles, é a vida deles, é o que eles comem. Eles comem peixe, comem farinha, comem batata. Enquanto o índio tem a caça, tem o peixe, tem a farinha de mandioca, a batata-doce, umas frutas que tem por aí, é a melhor dieta do Brasil. Cesta básica vem o quê? Vem macarrão, vem açúcar, as piores das coisas. Não, não tem cesta básica de jeito nenhum, não é disso que se trata. Não é uma saída para o problema lá deles de jeito nenhum.

Então a solução seria a mineradora parar as atividades?
É. Eu não acredito que eles controlem isso aí, não controlaram até agora. Depois especialmente do que vimos lá com a Vale do Rio Doce, imagina, pode acontecer a mesma coisa.

O Ministério Público acredita que é possível estabelecer um parâmetro de controle mais rigoroso e manter a operação.
Entendi. Tudo bem, eles falam isso, eu não sou obrigada a acreditar. Eu acho que os Xikrin agora entenderam. Porque viram, porque veem a coisa. Às vezes, falar não adianta muito. Eles acham “bom, falam, falam, mas a água está aí, o peixe está aí”. Mas, quando a coisa acontece mesmo, e do jeito que eu vi nos vídeos eles falarem, quer dizer que eles estão se dando conta de que a coisa realmente está pegando aí.

E como a senhora acha que o Estado brasileiro tem atuado com relação aos povos indígenas de uma maneira geral e, especificamente, com os Xikrin?
Ultimamente, por exemplo, as demarcações das terras estão paradas. O que acontece é que nós temos no Congresso uma bancada ruralista muito agressiva e que se aproveita também da fraqueza desse governo, na verdade, para realmente entrar de maneira mais agressiva contra os povos indígenas, com atitudes contrárias, completamente contrárias, aos povos indígenas. A bancada evangélica também é muito forte nesse sentido. A situação com relação aos povos indígenas atualmente não está boa. Tem povos que sofrem muito. Os Guarani, por exemplo, de Mato Grosso. A gente está com medo de um retrocesso realmente. Isso não quer dizer que, devido ao próprio protagonismo indígena, às próprias organizações indígenas, e também devido às organizações não indígenas a favor, as ONGs a favor da causa indígena, não tenha havido progressos nas últimas décadas. Mas nunca definitivo, sabe? Sempre dependendo ou de um governo, de uma pessoa. Não é uma coisa definitivamente estabelecida. A Constituição de 1988 é muito favorável aos índios. Então, eles tiveram reconhecido o usufruto de seus territórios, o uso de suas línguas, de sua cultura, de ter uma educação bilíngue, as escolas indígenas. Então, muitas coisas foram conquistadas. Teoricamente. A Constituição é uma coisa, na realidade a coisa… mas aos poucos também se avançava. Agora eu acho que tem um retrocesso porque essas forças anti-indígenas sempre existiram, mas não com a força e a visibilidade que elas têm atualmente.

Naquele momento inicial, tinha essa questão toda de resgatar a própria população mesmo, mas como era o trabalho de vocês lá?
Bom, para mim, a demarcação. Então, percorrer todo o território com os índios, saber absolutamente tudo sobre o território, aonde eles vão, o que eles fazem, o que eles cultivam, quais são os recursos naturais, tudo que se precisa saber para poder fazer, sustentar uma demarcação. Dentro do possível. Mas tudo foi feito com eles, e até as discussões em Brasília – isso ainda era durante o regime militar –, sempre com os índios. Porque antigamente eles iam muito mais longe. Eles foram encontrados pela primeira vez, na época da pacificação, lá em Conceição do Araguaia. Eles iam até Altamira, onde tem os outros Xikrin. Eles iam muito ao norte também. E até a Carajás eles iam, porque Carajás era tudo, não tinha nada. Eu conheci Carajás, que é uma das maiores minerações do mundo [extração de minério de ferro da Vale inaugurada em 1985], eu conheci sem nada. Tinha só no topo aí, tinha como se fosse uma pista, mas era só do ferro mesmo da montanha, onde o avião pequenininho podia pousar porque não crescia nada. Eu conheci aquilo lá do zero. Então, naquela área eles conheciam, e também uma área mais ao sul do rio Branco. É claro, para demarcação, não se conseguia fazer tudo, né? Então, você tem Vale do Rio Doce aqui com o ouro, ao norte, o cobre, aqui o níquel. E no sul tem a estrada, que também fez muito estrago. Eu conheci aquilo lá tudo floresta. Agora, fora da área indígena, está tudo desmatado, tudo desmatado. Então, [os índios] estão muito presos em uma reserva, mesmo. Porque o que você destrói fora tem a sua influência dentro também. 
Você destrói tudo ao redor. Você vê no Xingu, agora pega fogo, né? Xingu pega fogo? Uau.

E essa relação com a mineração? Como os indígenas receberam a mineração nessa localidade?
A mineração não estava dentro da área indígena. Só que ela estava bem na beira, e, por eles estarem a 50 quilômetros da ferrovia e do projeto da Vale, ela tinha que dar compensações. Porque não foram só os Xikrin, foram também os Gaviões, foram os Suruí, foram os Guajajara. Todos esses povos também receberam indenização [da Vale], e os Xikrin a mais porque eles são os que estão mais perto. Porque têm influência. Então, eram 50 quilômetros de um lado, 50 do outro lado da ferrovia.

E a senhora tem planos de voltar à Terra Indígena?
Ah, eu sempre tenho planos de voltar, mas é que eu trabalho muito no Oiapoque e na fronteira com a Guiana Francesa, lá com quatro povos: os Palikur, os Galibi-Marworno, os Galibi-Kali’na e os Karipuna. Isso desde os anos 1990. São povos que já passaram por tudo porque eles estão na fronteira, aonde os invasores chegaram primeiro. Então, são séculos de contato lá. Então, é muito diferente porque o contato dos Xikrin com a sociedade não indígena e com todos esses problemas de empresas e madeireiras foi muito brutal, foi realmente de uma maneira muito drástica, né? Sem muito tempo de pensar e de se acostumar. Isso foi muito grave para os Xikrin, foi muito grave para eles. Foi muito rápido, ter que assimilar coisas totalmente diferentes.

A senhora nota marcas disso nos Xikrin de agora?
Ah, agora já estão mais acostumados. Têm escola, têm tudo. Isso, a escola, não tinha nem começado quando eu estava lá. A Funai estava experimentando um pouco, mas não tinha. Quando eu cheguei lá, eles eram monolíngues. No Oiapoque é diferente: três séculos que eles falam português, falam francês também, porque aquela região era francesa. Eles falam patuá, falam crioulo, muito misturado. É uma situação totalmente diferente. Então, você tem também no norte da Amazônia essa situação. Os Xikrin não, os Xikrin são um povo isolado, no Brasil Central, bastante isolado, e realmente as mudanças chegaram muito, muito rapidamente. Com reações meio surrealistas às vezes. Mas é isso aí.

A subsistência deles realmente é caça e batata-doce”. (José Cícero da Silva/Agência Pública)

É interessante porque a gente fala de um modo geral dos índios da Amazônia, mas…
Ah, não, a diversidade de situação é muito grande. Claro que todos os povos indígenas têm algumas coisas em comum, que é um tipo de vida que geralmente se leva, a relação com a natureza, e também a relação com os outros mundos, com o sobrenatural, que para eles é uma coisa muito real e muito próxima. Através dos sonhos, através do xamanismo. Eles têm uma relação com o sobrenatural muito diferente da nossa, uma filosofia muito diferente da nossa nesse sentido. Isso é muito importante, isso você tem com todos os povos. Então, tem uma coisa realmente ameríndia. Agora, as situações, como cada um vive essa situação, digamos, como cada um vive essa relação com a natureza, com a sobrenatureza, ela difere muito de cultura a cultura. E difere ainda mais hoje em dia, que as mudanças são muito rápidas. Então, essas situações também não são só rápidas, elas são também muitas vezes erráticas, entendeu? Contraditórias, também. Às vezes melhora um pouco, às vezes piora.

Seus filhos trabalham também com indígenas. Foi por que a senhora os levava em suas viagens quando crianças?
Minha filha é bióloga, ela foi comigo e foi fazer o trabalho dela lá. E até hoje ela é consultora de assuntos indígenas. Ela levou um neto também uma vez. Meu filho também foi uma vez, mas é artista plástico. Ele trabalha mais com os Suruí, em Rondônia. Mas a minha casa estava sempre cheia de índios. Então, desde criança eles estavam habituados, né? E como nós somos estrangeiros, não tem família aqui. Não tem avós, não tem tios, não tem nada. O que tinha era nós e os índios.

Hoje a senhora trabalha no Oiapoque. A relação é parecida com a que desenvolveu com os Xikrin? A senhora tem parentes no Oiapoque também?
Não, lá no Oiapoque, a relação já é diferente. Quando nós chegamos lá, a terra já tinha sido demarcada… E lá eu era uma pessoa entre tantas outras, entendeu? É muito diferente da situação quando cheguei no Xikrin, que eu tive que morar lá na casa deles e viver a vida com eles. E, se você faz a vida com eles, você tem que entrar numa relação de parentesco, porque senão como é que você come? Onde é que você fica? Quem se preocupa com você? Quem é que você é lá dentro? Isso já mudou, a relação hoje é diferente. Agora, o trabalho que eu estou fazendo no Oiapoque é, na realidade, a capacitação dos índios para eles mesmos fazerem as suas pesquisas, montarem as exposições e também serem os autores de suas publicações.

Escrito por José Cícero da SilvaNaira Hofmeister

Fuente

Publica (Agencia de Reportagem e Jornalismo 
Investigativo) – 7 de Diciembre de 2.017

A antropóloga Lux Vidal (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)


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