Os bancos e as histórias dos pajés
Certa feita, na aldeia dos Kamayurá, eu fui chamado para uma reunião de pajés, no centro da aldeia Ipavu, no Alto Xingu. Ali presente, Takumã Kamayurá deu início à conversa me passando um pequeno banquinho, usado pelos pajés, e um petum aceso para que eu também fumasse com eles. As conversas com estes homens aconteciam em meio a muito silêncio. Um falava, os demais ouviam com atenção. Esperando também pela vez de se manifestar. Iluminados por uma pequena fogueira, aquele clima me transportou para um mundo distante, encantado, cercado pela escuridão da noite.
Contavam para mim que apenas os pajés tinham a permissão para conversar com os animais. Em algumas noites como aquela, os bichos se reuniam em uma clareira e ali, na presença dos mamaés (espíritos), retiravam suas roupas de animais e se sentavam em seus pequenos bancos em uma roda, como aquela em que eu me encontrava. E então, só então, podiam conversar sobre os segredos ancestrais que eram repassados para a cura dos seres e de toda a gente da aldeia.
Num dado momento, eu indaguei a Takumã se, naquele instante, eu estava conversando com as pessoas da aldeia ou se estava na clareira conversando com os animais que ali já tinham tirado suas vestimentas. O velho pajé sorriu e disse: “Você entende a gente e também as coisas daqui, e nós estamos muito felizes que tenha chegado para ficar! ”
Naquela hora se fez um longo silêncio e fiquei pensando nos dizeres do velho e tentando entender o significado de suas palavras. O petum acabou. Todos recolheram seus banquinhos e cada um se dirigiu para sua casa para dormir. Na manhã seguinte, ao me levantar, peguei o pequeno banco de pajé e fui devolver a Takumã. Este recusou com um aceno e disse que aquele era meu e apenas eu poderia me sentar nele, e que o guardasse comigo.
Ali eu começava a entender as sutilezas de minha vida junto aos povos originários e a importância de registrar a vida dessa gente que tanto admiro.
Renato Soares
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