miércoles, 29 de enero de 2020

A aula que faltou ao Bolsonaro - Edson Kayapó

Humano é pouco. Somos demasiadamente humanos, senhor presidente!

Edson Kayapó


A aula que faltou ao Bolsonaro

Desde a invasão portuguesa, os estrangeiros colocaram em dúvida o caráter humano dos povos indígenas: são humanos ou animais sem alma? "Sublimis Deus" é uma bula papal emitida em 29 de maio de 1537, pelo qual o papa Paulo III reconhece que "os índios são homens". A bula é apenas um pretexto para que a igreja monte seu império entre nossos povos.
Mesmo depois da emissão da Bula, os invasores insistiam em retirar nossos povos da genealogia humana. Ainda no século XVI, o jesuíta Manuel da Nóbrega dava seu parecer sobre nossos antepassados: "À lei natural, não a guardam porque se comem; são muito luxuriosos, muito mentirosos, nenhuma coisa aborrecem por má, e nenhuma louvam por boa; têm crédito em seus feiticeiros. Eis tudo".

Gandavo, um respeitado funcionário do genocídio português, de uma forma canônica avaliou os modos próprios de vida dos nossos povos da seguinte forma: "A lingua, deste gentio toda pela Costa he, huma: carece de três letras - scilicet, não se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente".

Já para o fim do século XVI, o famoso colonizador Gabriel Soares de Sousa escreve que os indígenas são luxuriosos e sodomitas: "(...) tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam...são muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não têm por afronta; ...e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres publicas".

Identificados pelos invasores como inimigos da raça humana, os povos indígenas foram rotulados de selvagens, brutos, bárbaros, traiçoeiros, mentirosos, preguiçosos, sodomitas, infiéis, incrédulos...

Mantendo a resistência histórica, conquistamos na constituição brasileira de 1988 avanços que superaram legalmente esse planetário de violência contra nossos povos.

Para nossa surpresa, em 2020, num governo no mínimo irresponsável, retornamos ao século XVI. Coloca-se em xeque a nossa genealogia humana.

Edson Kayapó

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